sábado, 28 de setembro de 2013

O REAL SENTIDO DO TERMO “MESTRE”



Por: Mestre Pop

Vejamos o que diz o dicionário Aurélio sobre o termo Mestre: 1.Homem que ensina; professor; 2.Aquele que é perito ou versado numa ciência ou arte...3.Homem superior e de muito saber: 4.Aquele que se avantaja em qualquer coisa: Em criar confusões ele é mestre...11.Guia espiritual; mentor, 13.Aquele que tem o mestrado (5)...21.Bras. Cap. Título concedido a capoeiristas mais experientes, com notório saber e longa vivência na capoeira...23.Que é superior a... 25. Que é o mais importante; que serve de base ou de guia; principal, fundamental.

O sentido da palavra mestre.

Significa dizer que uma pessoa pode ser um mestre tanto no campo material como no campo espiritual. No campo espiritual o mestre é um guia, alguém capaz de elucidar, de polir, capacitar, dar rumo e sentido à existência àqueles que os seguem como verdadeiros discípulos, com a dualidade da existência do mestre da luz e das trevas. E no campo das ciências mestre é aquele individuo que cumpriu um protocolo acadêmico, o individuo que realizou algumas experiências no campo das ciências, que defendeu uma tese e que contribuiu de alguma maneira na construção ou na reformulação de um terminado campo de conhecimento.  

Como também existem os mestres práticos, indivíduos que acumularam notório conhecimento e experiência em uma determinada atividade, como por exemplo, mestre de arma, que é o individuo que domina o conhecimento sobre uma determinada arma, que conhece a historia e que domina as técnicas de seu manuseio. Os mestres de obra que são indivíduos que acumularam experiências através do tempo e que dominam o conhecimento de construção de uma determinada obra, mestre de embarcação, mestre da pesca, mestre tecelão, etc.

Na essência da nossa reflexão, o verdadeiro mestre é, portanto, aquele que se tornou senhor de si, isto é, mestre de si mesmo. Alguém com o espírito diferenciado e mais próximo da iluminação. Segundo Georges Gusdorf: “professores há muitos; mestres, dignos deste nome são poucos”.

O mestre é. Porque a sua vida tem um sentido, ensina a possibilidade de existir. Entende-se que os professores ensinam por palavras, e já com os mestres aprendemos por ações e exemplos. No sentido filosófico do termo a existência do mestre pode ser mensurada pela qualidade de obra e pelas atitudes de seus discípulos. “O mestre e o discípulo não se descobrem como tais senão na relação que os une (...) pode-se dizer que é o discípulo que faz o mestre, e o mestre que faz o discípulo.” Gusdorf (1970:250). Portanto ser mestre é dar exemplo!

O sentido de ser mestre no universo da capoeira

E no universo da capoeira como se configura este termo? O que é necessário para ser um mestre de capoeira? A capoeira é uma cultura de dimensão plural que se constitui em múltiplos campos de saberes: música (cantos), ritmos (toques), fundamentos de jogo-luta, ancestralidade, relações humanas, relação histórica e outros. Portanto para ser um mestre de capoeira o individuo deve minimamente conhecer este conjunto de saberes que fazem parte de seu universo, porém não basta dominar o campo da musica, do jogo ou ter uma boa performance, alto desempenho enquanto lutador. É preciso muito mais. É preciso ter vivência, maturidade e experiência. Ter sido lapidado através do tempo, ter adquirido segurança e confiança em si mesmo. Acima de tudo, mestre de capoeira deve ser aquele que dominou e venceu seu maior adversário: si mesmo. Aquele que trocou a arrogância e a prepotência pela humildade e que reconhece que enquanto viver vai continuar apreendendo.

Estamos vivendo o tempo da promiscuidade e da vulgarização da palavra e do sentido de ser mestre! Hoje é comum sujeitos que querem ganhar fama, notoriedade, prestigio e dinheiro com a capoeira, se auto-intitularem mestres ou pagarem a outros para darem a eles este titulo. Basta o sujeito dar uns saltos, saber fazer um joguinho, trocar uma porradinha aqui e ali, tocar direitinho um berimbau, dar umas aulas, ter uns aninhos de pratica, já se torna mestre... E às vezes nem isso!

Em busca de hegemonia, força e poder

Na lógica de querer expandir seus grupos, muitos mestres mais veteranos investiram pesado em marketing, passaram a adotar alunos de outros mestres - muitos até via internet filiavam pessoas que nunca sequer viram-, pois o objetivo era ganhar prestígio, fama e dinheiro e ocupar espaços privilegiados. Assim, criaram um mercado cuja lógica era a busca por  hegemonia, força e poder, sendo o objetivo estratégico a conquista de um  mercado que se descortinava e ainda se descortina, tanto nacional como internacionalmente. E para ver quem vendia melhor sua imagem e produto passaram a adotar slogans e discursos políticos e filosóficos radicais para afirmar qual era o melhor grupo, a melhor capoeira, o melhor mestre. Os embates passaram a existir e ser travados tanto dentro das rodas como também fora, gerando um verdadeiro campo de batalha, uma guerra que manchou ainda mais a imagem da capoeira perante a sociedade, como se não bastasse o processo histórico! Não estou generalizando, pois existem muitos mestres e grupos com 30, 40 ou mais anos de existência, com pouquíssimos mestres e outros grupos recém formados com um batalhão de mestres.

Aí eu pergunto: quem banalizou este titulo, senão os próprios mestres? Infelizmente há muitos mestres antigos que contribuíram e ainda contribuem para a banalização deste titulo e não reconhecem sua parcela de responsabilidade. A banalização em minha opinião se deu quando se instituiu as graduações como monitores, instrutores, professores etc.

Ainda sobre a hierarquia na capoeira

Voltando às graduações, eu mesmo adotei duas graduações adultas e depois as infantis. Hoje reconheço que foi meu maior erro, por mais que haja exigência para se ter uma graduação, exames, testes etc., como sempre fiz, a conclusão que cheguei é que tudo isso só contribuiu para a banalização e para a perda do sentido do que venha ser realmente um mestre. Pois ao dar qualquer titulo você termina também dando poder ao aluno! Por isso hoje em dia se vê os chamados instrutores com seu próprio grupo de capoeira, e quantos? Muitos brigam com seu mestre ou professor e aí vão e montam seu grupo! Continuando a reproduzir a mesma lógica, querendo ter também um monte de alunos e também seus núcleos multiplicadores. E para verem como realmente o sentido de ser mestre esvaziou-se, é que em muitos casos o indivíduo hoje é mestre e amanhã deixar de ser, quando passa a ser aluno novamente de um grupo que o adota. Ali ele vai passar a ser um aluno ou meio graduado. Eu mesmo já fiz isso numa época que quis abraçar o mundo. Esta historia vai longe e quem é do meio sabe do que estou falando. Na verdade o que vem acontecendo na capoeira nestas ultimas décadas dá milhares de teses, livros e por aí afora.  


Sei que muitos mestres não irão discordar do que estou expondo, primeiramente não estou escrevendo para agradar quem quer que seja, ou atacar quem quer que seja, venho aqui de publico apenas expressar minha opinião quanto às coisas que vêm ocorrendo no universo da capoeira nestes últimos anos, sem pretensão de ser o dono da verdade, de estar certo ou errado. Cada um é dono de sua consciência e a minha diz que devemos repensar o processo docente existente hoje na capoeira. 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

ESCOLA TRANSDISCIPLINAR AÚ CAPOEIRA


O compromisso social da escola transdisciplinar

Por: Mestre Pop

Uma escola de capoeira transdisciplinar visa a formação do aluno não somente enquanto capoeirista, mas como um ser humano integral. A política pedagógica transdisciplinar contempla o conhecimento da capoeira em sua diversidade, mas não de forma fragmentada e compartimentada. Desta forma permite os alunos visualizarem e compreenderem o universo da capoeira como um universo plural repleto de diversidade, e é nesta diversidade que o aluno deverá encontrar também o seu próprio universo, buscando interagir de forma solidária e fraterna, com os demais elementos que constituem o universo da capoeira como um todo.
Tradicionalmente os mestres de capoeira se utilizam de métodos disciplinares.  Estes métodos por sua lógica valorizam uma única realidade da capoeira que é a do próprio mestre. A disciplinaridade se fecha em si mesma, reconhecendo também as outras disciplinas, porém cria barreiras de comunicação e inter-relação, já que se foca na sua especificidade em contraponto à especificidade do outro. Por outro lado, a transdisciplinaridade vê o que está entre e através das disciplinas, ou seja, o que as une e não aquilo que as separa.
 A partir do momento em que, pela reflexão e observação sensível, nos damos conta que o papel dos mestres e grupos de capoeira na sociedade é a transformação social e a perpetuação da cultura, este deve se dar a partir de uma perspectiva plural, democrática e solidária, a fim de formarmos seres humanos com habilidades distintas às que são submetidos atualmente pela visão de educação disciplinar. Habilidades essas que atenderão à emergente necessidade de construção ativa de um novo tipo de sociedade: mais humana, criativa, que saiba conviver e valorizar a própria diversidade, que saiba interagir com o ambiente natural de maneira mais responsável e sustentável.
E quais são os desafios que estão postos aos mestres na contemporaneidade? Entender que a sociedade de hoje não é a mesma do passado. Que a sociedade atual está cada vez mais exigente em relação a tudo: qualidade, eficiência, resultados, não se conformando com injustiças, com intolerância, discriminação e toda e qualquer forma de opressão.
Desta forma é necessário compreender que aquela visão fechada, muitas vezes preconceituosa e discriminatória de um saber para o outro, deve ceder lugar ao entendimento de que a capoeira é uma diversidade, são muitas em uma só e que a mesma hoje ganhou proporções universais. Desta maneira também é preciso compreendê-la de forma universalizada, especialmente na construção dos saberes sobre a mesma, destruindo assim as fronteiras conceituais que hoje nos separam: regional de um lado, contemporânea de outro, angola do outro e assim por diante. A capoeira hoje não está mais regionalizada, ou seja, na Bahia ou Rio de Janeiro, como historicamente sempre esteve. A capoeira é um patrimônio do Brasil para o mundo e desta maneira os paradigmas e dicotomias existentes devem aos poucos ser rompidos.
É necessário reaprender a pensar a capoeira na atualidade até para que possamos oferecer aos iniciantes nesta prática a oportunidade de contemplar e reconhecer que existe um horizonte para além do horizonte de seu próprio mestre. Desta forma vamos construir uma sociedade capoeirística solidária e fraterna, onde a cultura e os saberes em sua diversidade são reconhecidos e acima de tudo valorizados.

FAÇA PARTE DA ESCOLA TRANSDISCIPLINAR AÚ CAPOEIRA.